Juntamente
com o oitavo mandamento, esse é um dos mandamentos mais breves da Lei-Palavra
de Deus. Talvez seja por isso que a grande maioria das pessoas tenha uma
compreensão tão superficial dele. Muitos quando ouvem a sentença: “Não matarás”, dizem: “Veja só,
aqui está um mandamento o qual eu nunca quebrei”.
Quando alguém diz isso, demonstra
que nunca compreendeu o real sentido daquelas palavras. Ela nunca entendeu
o princípio por trás desta ordenança. Essa pessoa apenas leu a letra da
lei e esqueceu-se do seu espírito.
Por trás de cada mandamento do
Senhor há sempre um princípio regente, um princípio normativo. Este
princípio deve ser compreendido e assimilado à nossa vida para só
então podermos cumprir as exigências daquele.
Qual é, então, o princípio do
sexto mandamento? Qual o porquê desta ordenança? O que o Senhor Deus quis
dizer com o “não matarás”?
I-O princípio que rege o sexto mandamento é o da proteção da vida.
Deus tinha em vista a preservação
da maior de todas as Suas criações: o homem, feito à sua imagem (Gn 1:27):
“E
criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher os
criou”.
João Calvino disse do sexto
mandamento:
(as) “Escrituras nos dão duas
razões sobre as quais se fundamenta o sexto mandamento. A primeira é que o
ser humano é feito à imagem de Deus; a segunda é que somos todos a mesma
carne. Portanto, agredir a vida, quer a de outro ou a nossa, constitui
desrespeito a Deus que imprimiu Sua imagem no homem (Gn 9:6). E como Ele
criou o gênero humano vinculando-o em uma unidade, foi-nos delegada a
função de preservarmos tal unidade pelo cuidado mútuo”.
O valor que devemos dar a vida,
não deve ser a vida pela “vida” (como um fim em si mesmo, como o fazem os
humanistas), mas sim, porque Deus é Aquele que tira e que dá a vida. De modo,
que tirar a vida de alguém é pecar contra esse direito e autoridade divina.
II-O lado positivo e negativo do sexto mandamento
Ninguém pense que cumprirá o
sexto mandamento apenas agindo de forma negativa (não matando ninguém). No seu
comentário do Pentateuco Calvino nos diz:
“Há, portanto, duas partes nesse
mandamento: primeiro não devemos oprimir ou estar em inimizade com ninguém, e
segundo, não devemos apenas viver em paz com os homens, mas também devemos
ajudar o oprimido e resistir o mal”.
O catecismo Maior de Westminster
resumiu assim as formas negativas e positivas relacionadas com esse mandamento:
P-136 CMW Quais são os pecados
Proibidos no sexto mandamento?
1. O tirar a nossa vida ou a de
outrem, exceto no caso de justiça
pública, guerra legítima ou defesa necessária (At 16:27-28; Gn 9:6; Nm
35:31,33; Dt 20:1-20; Ex 22:2);
“Se o ladrão for
achado roubando, e for ferido, e morrer, o que o feriu não será culpado do
sangue”.
2. A negligência ou retirada dos
meios lícitos e necessários para a preservação da vida (Mt 25:42,43).
3. Sentimentos maus (Tg 2:15,16;
Mt 5:22; I Jo 3:15).
4. Todas as paixões excessivas e
cuidados demasiados, o uso inadequado de comida, bebida, trabalho e
recreios (Mt 6:31,34; Lc 21:34; Ex 20:9,10; I Pe 4:3,4).
5. Palavras provocadoras (Pv
15:1; 12:18; Mt 5:22).
6. A opressão, a contenda, os
espancamentos, os ferimentos e tudo o que tende à destruição da vida de
alguém (Is 3:15; Ex 1:14; Gl 5:15; Nm 35:16; Ex 21:18-36).
P-135 Quais são os deveres
exigidos no sexto mandamento?
1. Todo empenho cuidadoso e todos
os esforços legítimos para a preservação de nossa vida e a de outros (Mt
10:23; Sl 82:4; Dt 22:8; Ef 4:26; Pv 22:24,25).
2. Fazer justa defesa da vida
contra a violência (I Sm 26:9-11; Pv 24:11,12; I Sm 14:45).
3. Paciência em suportar a mão de
Deus (Tg 5:8; Hb 12:5).
4. Espírito manso e alegre (Sl
37:8,11; Pv 17:22; I Ts 5:16).
5. O uso sóbrio de comida,
bebida, remédios, sono, trabalho e recreios (Pv 33:20; 25:16; 23:29,30; I
Tm 5:23; Mt 9:12; Is 38:21; Sl 127:2; II Ts 3:10,12; Mc 6:31).
6. Pensamentos e sentimentos
puros, comportamento e palavras pacíficas, brandas e corteses (I Tm 4:8; I
Co 13:4,5; I Sm 19:4,5; Rm 13:10; Pv 10:12; Zc 7:9; Cl 3:12).
7. Longanimidade e prontidão para
se reconciliar, suportando pacientemente e perdoando as injúrias (Rm
12:18; I Pe 3:8,9; I Co 4:12,13; Cl 3:13; Tg 3:17; I Pe 2:20).
8. Dar bem por mal, confortando e
socorrendo os conflitos, protegendo e defendendo o inocente (Rm 12:20-21;
Mt 5:24; I Ts 5:14; Mt 25:35,36; Pv 31:8,9; Is 58:7).
III-Como harmonizar o sexto mandamento com a pena de morte instituída por
Deus em (Gn 9:6)? Ou com as guerras e a questão de matar em defesa própria?
Em primeiro lugar, precisamos
entender o que significa “matar” no sexto mandamento, para isso precisamos
conhecer a palavra hebraica traduzida por “matar” em Ex 20:13. A palavra
aqui encontrada é rasah e significa “o assassinato violento de um inimigo
pessoal” (II Rs 6:32). Por isso “não assassinarás”
seria uma tradução melhor. Este verbo nunca é usado para um assassinato em
defesa própria (Ex 22:2), uma morte acidental (Dt 19:5), a execução de
assassinos ou situação de guerra (Gn 9:6), homicídio não premeditado (Ex
21:12-14) ou homicídio acidental (Nm 35:23). Para estes casos existem seis
outros vocábulos hebraicos.
O “não matarás” não pode ser uma
reprovação à pena capital porque a lei de Deus prescrevia a pena máxima
nos seguintes casos:
(a) assassinato premeditado (Ex
21:12-14);
(b) sequestro (Ex 21:16; Dt
24:7);
(c) adultério (Lv 20:10-21; Dt
22:22);
(d) homossexualismo (Lv 20:13);
(e) incesto (Lv 20:11,12,14);
(f) bestialidade (Ex 22:19; Lv
20:15,16);
(g) desobediência aos pais (Dt
17:12; 21:18-21);
(h) ferir ou amaldiçoar os pais
(Ex 21:15; Lv 20:9; Mt 15:4);
(i) falsas profecias (Dt
13:1-10);
(j) blasfêmias (Lv 24:11-14);
(k) profanação do sábado (Ex 35:1;
Nm 15:32-36);
(l) sacrifício aos falsos deuses
(Ex 22:20).
O sexto mandamento e a guerra
Os
pacifistas querem nos fazer pensar que esse mandamento proíbe a guerra
legítima. Entretanto, as
guerras não podem ser proibidas por estas palavras porque o próprio Deus
foi, por várias vezes, o agente ativo de guerras no AT. Ele
ordenou guerras contra Amaleque (Ex 17:8-16; I Sm 1:7-9), contra Jericó
(Js 6:2ss), contra os filisteus (I Sm 1:7-14), contra os amonitas (I Sm
11:1-11) e muitos outros.
Deus é por várias vezes chamado
de “homem de guerra” (Ex 15:3; Is 42:13). Um de Seus títulos é “Senhor dos
exércitos”. Muitas vezes Ele combateu sozinho enquanto o exército de
Israel só olhava (II Cr 20:17). Por isso os israelitas jamais consideraram
o sexto mandamento como uma proibição à guerra, pois Deus não pretendera
proibi-la.
A posição do cristão frente à
guerra deve ser motivo de reflexão e julgamento (sempre à luz das escrituras),
pois nem todas as guerras têm motivos justos.
O sexto mandamento e a eutanásia
Eutanásia significa literalmente
“boa morte”. Ela é uma “prática pela qual se procura dar fim ao sofrimento
de um doente em estado terminal”.
A eutanásia é uma tentativa
de interferência na obra do Criador e Conservador da vida (At 17:25; Sl
104:4-30; Ec 8:8), ela é fruto de um humanismo egoísta e materialista
que afirma que somente uma vida “útil” e saudável é digna de ser vivida.
Quando a vida em si já possui grande valor porquanto é uma obra do Deus
Criador.
A possibilidade da eutanásia
livraria facilmente famílias fracas e sem valor cristão, pois veriam aí
uma saída “legítima” para se livrarem de membros incômodos.
O sexto mandamento e o aborto
O aborto é a expulsão de um feto
da barriga da mãe antes que ele complete seis meses. Neste episódio ele
ainda não possui condição de sobrevivência no mundo aqui fora.
Alegam-se, hoje em dia, quatro
motivos “justificáveis” para o aborto:
1. Motivo médico 2. Motivo
ético/judicial 3. Motivo genético 4. Motivo social:
O sexto mandamento e o ensino de
Jesus na nova aliança
(Mt 5:21-22)
“Ouvistes
que foi dito aos antigos: Não matarás; mas qualquer que matar será réu de
juízo.
Eu, porém, vos digo que qualquer que, sem
motivo, se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e qualquer que
disser a seu irmão: Raca será réu do sinédrio; e qualquer que lhe disser: Louco
será réu do fogo do inferno”.
A interpretação tradicional dada pelos fariseus é totalmente
contrariada por Cristo quando ele diz: “Ouvistes que foi
dito” (tradição oral interpretativa), “Eu porém, vos digo” (o que jamais deve
ser interpretado como uma contradição entre o que Deus diz na Antiga aliança e
o que Cristo diz na nova).
No entanto, Jesus afirma o
princípio da lei, dizendo que a ira sem motivo contra um irmão é o mesmo
que homicídio literal. Não somente isso, o Senhor também nos diz jamais
devemos proferir insultos contra o próximo. Jamais devemos manifestar
desprezo por alguém. Raca significa “sujeito indigno”. Tal expressão e
similares demonstram os maus desígnios do nosso coração.
“Porque do interior do
coração dos homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as prostituições,
os homicídios” (Mc
7:21).
Calvino disse: “É verdade
que as mãos são quem levam a cabo o homicídio, mas o coração é quem o
concebe, quando se sente incendiado em ódio e em ira”.
“Qualquer
que odeia a seu irmão é homicida. E vós sabeis que nenhum homicida tem a vida
eterna permanecendo nele”. (1 Jo 3:15).
A
quebra do sexto mandamento reside justamente nas motivações e intenções do
nosso coração. No v.12 João cita o caso de Caim e Abel. Quando foi que Caim
matou o seu irmão? Será que foi quando ele consumou o ato? A história nos
mostra que não (Gn 4:9) “E disse o SENHOR a Caim: Onde está Abel, teu irmão? E
ele disse: Não sei; sou eu guardador do meu irmão?”. A atitude de desprezo nos
revela que Caim o matou primeiro no coração.
Conclusão:
Quero concluir
com três aplicações práticas pra nós:
1-A vida é um
dom de Deus, isso nos ensina que só ele é quem tem direitos legítimos sobre
ela.
2-Uma atitude de
covardia e omissão não deve ser confundida com a guarda do sexto mandamento,
pois nós temos que fazer algo para proteger a vida.
3-Examinemos a
nós mesmos! Quantas vezes temos quebrado esse mandamento! Devemos orar por
arrependimento e, se porventura, temos algo contra alguém devemos perdoar e nos
reconciliar, pois isso é infinitamente menor do que ele fez por nós.
Jairo Rivaldo
Jairo Rivaldo